Entrevista: Duda Yankovich - Sem medo de bater Por Andrea Dip andrea.dip@folhauniversal.com.br Aos 33 anos de idade, Duda Yankovich já viveu quatro




Por Andrea Dip
andrea.dip@folhauniversal.com.br


Aos 33 anos de idade, Duda Yankovich já viveu quatro guerras, todas envolvendo seu país, a Sérvia, ex-república iugoslava. É faixa preta em karatê, quatro vezes campeã nacional de
kickboxing, fez filmes e comerciais de tevê e já foi guarda-costas e segurança de boates em Belgrado, na Sérvia. Há 10 anos no Brasil, é campeã mundial de boxe e sempre levanta a bandeira verde e amarela em suas vitórias. Figura polêmica por falar o que pensa e nocautear as adversárias de unhas pintadas e saia no ringue, Duda só vê uma explicação para tudo isso: “Nunca lidei bem com o ‘você não pode fazer isso’.”


Eu sempre fui muito moleca. Mas não era encrenqueira. Sempre me envolvi com várias lutas – karatê, kickboxing, boxe. Mas, na verdade, eu sempre busquei esportes diferentes. Eu nunca pude ouvir “você não pode fazer isso”. No meu país, se você é mulher, nasce para procriar, cuidar da casa. Mas quando eu tinha 10 anos de idade eu já sabia que não iria viver aquela vida. Comecei a treinar karatê e aos 15 eu fui para a capital treinar pela seleção.

2 – Como conseguiu se sustentar?
Fui contratada pela seleção de karatê, mas não me bancavam. Trabalhei em banca de jornal até que entrei em uma escola de segurança, onde tinha treinamento de tiro, judô, mas a aula mais importante era a de comportamento. Lutar boxe é muito difícil. Não é briga de rua. Briga de rua é instinto. Se um carro atropela o filho de uma mulher, com a descarga de adrenalina ela levanta o carro e mata três caras de uma vez. Isso é instinto. Luta de boxe é uma coisa totalmente diferente.
3 – Como você veio parar aqui?
Eu já tinha deixado o karatê, em que era faixa preta, por uma decepção com o esporte e fui para o kickboxing. Em 1999, começou a quarta das guerras que vivi. A gente não treinava mais e as academias viraram esconderijos. Eu sempre me perguntei como os iraquianos nasciam e viviam a vida toda no meio de uma guerra, mas eles não conhecem outra vida. Você se acostuma. Tem fila para comer, para comprar, e você não sabe quando tudo aquilo vai terminar.

4 – Você morava sozinha?
Sim, desde os 15 anos. Quando a guerra acabou, durante 1 ano não aconteceu nada na minha vida. Porque o país estava em recuperação, não tinha dinheiro para nada, esportes e artes foram apagados. Eu já tinha vindo para o Brasil competir e conheci umas pessoas. Aí, vim fazer alguns contatos – não
pretendia ficar. Estou aqui há 10 anos.

5 – Você fala muito bem português. Teve aulas?1 – Como foi a sua infância?
Aprendi sozinha, logo nos primeiros meses. Aí, comecei a treinar e dar aulas de kickboxing. Resolvi competir e fui bicampeã brasileira, pan-americana e sul-americana. Mas faltavam mulheres. Aí, fui chamada para lutar boxe em um programa de televisão. Quando eu cheguei lá, não acreditei no número de mulheres que havia no boxe. Eu ganhei, mas foi na raça. Pedi para ser treinada pela seleção masculina de boxe e me profissionalizei, disputei os mundiais e ganhei, sempre pelo Brasil.

6 – E é difícil esse caminho?
Para a mulher é mais fácil do que para o homem. Até pela quantidade de boxeadores. Mas você tem que fazer as coisas certas, ir aos poucos, se fazer conhecido.
7 – Mas você é a primeira boxeadora a ser reconhecida pelo público que não conhece boxe no Brasil.
Sim. E algumas pessoas dizem que eu ganho lutas porque visto uma saia. Aí eu digo: “É isso aí, eu pinto as unhas, entro no ringue e a outra pessoa cai.”

8 – As meninas que estão começando são enganadas por empresários?
Sim, é só o que acontece. Por isso que não há lutas. Por isso, o esporte não tem divulgação. Já vi uma ótima boxeadora, porém inexperiente, quase aceitar lutar por R$ 500, correndo o risco de ser nocauteada. Eu a convenci a não assinar e pagaram mais. Já vi meninas desenharem o nome no contrato porque não sabiam ler ou escrever. É difícil para mim, inclusive. Me criticaram quando eu coloquei a bandeira da Sérvia depois de uma luta, mas nesse dia meu avô havia falecido e eu fiz uma homenagem. Desde o primeiro dia que eu pisei neste país eu defendo a bandeira do Brasil. Eu não sou naturalizada ainda, depois de 10 anos, mas eu defendo a bandeira brasileira. Eu tinha plano de saúde, tinha patrocínio e nesse momento não tenho nada disso. Mas vou ganhar tudo de novo.

9 – Você perdeu esse apoio por causa do seu ex-empresário?
As besteiras que ele fez trouxeram consequências. Sabe por que as pessoas morrem no boxe aqui na América Latina? Porque quando um boxeador é nocauteado, é proibido de lutar por 6 meses a 1 ano. Só que o atleta ganha R$ 300, com filho, família. Então, ele falsifica o atestado médico para fazer outra luta e ganhar mais R$ 400. Aí vai lutando, uma atrás da outra, e morre no ringue.

10 – A inclusão do boxe feminino na Olimpíada deve mudar alguma coisa?
Demorou, né? Já tinha feminino de karatê, judô. Acho que melhora, mas vai demorar. Eu aposto em algumas meninas, se alguém investir nelas. Se pagar supletivo, mandar para lutar lá fora, fizer intercâmbios. Mas, se não houver investimento, nem adianta cobrar boa performance nos Jogos.


Por Andrea Dip
andrea.dip@folhauniversal.com.br


Aos 33 anos de idade, Duda Yankovich já viveu quatro guerras, todas envolvendo seu país, a Sérvia, ex-república iugoslava. É faixa preta em karatê, quatro vezes campeã nacional de
kickboxing, fez filmes e comerciais de tevê e já foi guarda-costas e segurança de boates em Belgrado, na Sérvia. Há 10 anos no Brasil, é campeã mundial de boxe e sempre levanta a bandeira verde e amarela em suas vitórias. Figura polêmica por falar o que pensa e nocautear as adversárias de unhas pintadas e saia no ringue, Duda só vê uma explicação para tudo isso: “Nunca lidei bem com o ‘você não pode fazer isso’.”


Eu sempre fui muito moleca. Mas não era encrenqueira. Sempre me envolvi com várias lutas – karatê, kickboxing, boxe. Mas, na verdade, eu sempre busquei esportes diferentes. Eu nunca pude ouvir “você não pode fazer isso”. No meu país, se você é mulher, nasce para procriar, cuidar da casa. Mas quando eu tinha 10 anos de idade eu já sabia que não iria viver aquela vida. Comecei a treinar karatê e aos 15 eu fui para a capital treinar pela seleção.

2 – Como conseguiu se sustentar?
Fui contratada pela seleção de karatê, mas não me bancavam. Trabalhei em banca de jornal até que entrei em uma escola de segurança, onde tinha treinamento de tiro, judô, mas a aula mais importante era a de comportamento. Lutar boxe é muito difícil. Não é briga de rua. Briga de rua é instinto. Se um carro atropela o filho de uma mulher, com a descarga de adrenalina ela levanta o carro e mata três caras de uma vez. Isso é instinto. Luta de boxe é uma coisa totalmente diferente.
3 – Como você veio parar aqui?
Eu já tinha deixado o karatê, em que era faixa preta, por uma decepção com o esporte e fui para o kickboxing. Em 1999, começou a quarta das guerras que vivi. A gente não treinava mais e as academias viraram esconderijos. Eu sempre me perguntei como os iraquianos nasciam e viviam a vida toda no meio de uma guerra, mas eles não conhecem outra vida. Você se acostuma. Tem fila para comer, para comprar, e você não sabe quando tudo aquilo vai terminar.

4 – Você morava sozinha?
Sim, desde os 15 anos. Quando a guerra acabou, durante 1 ano não aconteceu nada na minha vida. Porque o país estava em recuperação, não tinha dinheiro para nada, esportes e artes foram apagados. Eu já tinha vindo para o Brasil competir e conheci umas pessoas. Aí, vim fazer alguns contatos – não
pretendia ficar. Estou aqui há 10 anos.

5 – Você fala muito bem português. Teve aulas?1 – Como foi a sua infância?
Aprendi sozinha, logo nos primeiros meses. Aí, comecei a treinar e dar aulas de kickboxing. Resolvi competir e fui bicampeã brasileira, pan-americana e sul-americana. Mas faltavam mulheres. Aí, fui chamada para lutar boxe em um programa de televisão. Quando eu cheguei lá, não acreditei no número de mulheres que havia no boxe. Eu ganhei, mas foi na raça. Pedi para ser treinada pela seleção masculina de boxe e me profissionalizei, disputei os mundiais e ganhei, sempre pelo Brasil.

6 – E é difícil esse caminho?
Para a mulher é mais fácil do que para o homem. Até pela quantidade de boxeadores. Mas você tem que fazer as coisas certas, ir aos poucos, se fazer conhecido.
7 – Mas você é a primeira boxeadora a ser reconhecida pelo público que não conhece boxe no Brasil.
Sim. E algumas pessoas dizem que eu ganho lutas porque visto uma saia. Aí eu digo: “É isso aí, eu pinto as unhas, entro no ringue e a outra pessoa cai.”

8 – As meninas que estão começando são enganadas por empresários?
Sim, é só o que acontece. Por isso que não há lutas. Por isso, o esporte não tem divulgação. Já vi uma ótima boxeadora, porém inexperiente, quase aceitar lutar por R$ 500, correndo o risco de ser nocauteada. Eu a convenci a não assinar e pagaram mais. Já vi meninas desenharem o nome no contrato porque não sabiam ler ou escrever. É difícil para mim, inclusive. Me criticaram quando eu coloquei a bandeira da Sérvia depois de uma luta, mas nesse dia meu avô havia falecido e eu fiz uma homenagem. Desde o primeiro dia que eu pisei neste país eu defendo a bandeira do Brasil. Eu não sou naturalizada ainda, depois de 10 anos, mas eu defendo a bandeira brasileira. Eu tinha plano de saúde, tinha patrocínio e nesse momento não tenho nada disso. Mas vou ganhar tudo de novo.

9 – Você perdeu esse apoio por causa do seu ex-empresário?
As besteiras que ele fez trouxeram consequências. Sabe por que as pessoas morrem no boxe aqui na América Latina? Porque quando um boxeador é nocauteado, é proibido de lutar por 6 meses a 1 ano. Só que o atleta ganha R$ 300, com filho, família. Então, ele falsifica o atestado médico para fazer outra luta e ganhar mais R$ 400. Aí vai lutando, uma atrás da outra, e morre no ringue.

10 – A inclusão do boxe feminino na Olimpíada deve mudar alguma coisa?
Demorou, né? Já tinha feminino de karatê, judô. Acho que melhora, mas vai demorar. Eu aposto em algumas meninas, se alguém investir nelas. Se pagar supletivo, mandar para lutar lá fora, fizer intercâmbios. Mas, se não houver investimento, nem adianta cobrar boa performance nos Jogos.

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