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| Por Gisele Brito gisele.brito@folhauniversal.com.br Francisco Batista Júnior é presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão que tem a função de promover a participação da sociedade na fiscalização e criação de políticas de saúde pública no País. Nesta entrevista, ele fala sobre as dificuldades do Sistema Único de Saúde (SUS) que, na teoria, é um grande avanço, mas enfrenta muitos problemas.
1 – Como funcionava o atendimento à saúde antes do SUS, criado há 21 anos? Tínhamos um sistema que só atendia a população formalmente empregada, que pagava pelo atendimento. Com o SUS, isso se alterou. O atendimento passou a ser um direito universal, integral, sagrado. Passamos a ter um sistema com políticas definidas, com a possibilidade da participação da população nos conselhos de saúde. Nós temos um sistema de vacinação, um programa de transplante de órgãos e outras coisas que são exemplos. O trabalho da vigilância sanitária, garantindo qualidade da alimentação, é incrível e pouca gente sabe que tudo isso é SUS.
2 – Se o SUS é um avanço, porque a saúde pública ainda é um problema? O SUS apontou para a possibilidade de contrapor essa lógica de saúde como comércio. Foi criado na contramão da história. As mazelas do sistema são consequência de não termos tido competência, oportunidade e condição de implantá-lo de acordo com sua legislação.
3 – Explique melhor. Por exemplo, no financiamento. Na prática, temos a emenda constitucional 29, que estabelece que nenhum estado pode investir menos de 12% das suas receitas em saúde e existem 16 estados, os mais ricos da federação – e o próprio Governo Federal – que descumprem isso. Outro grande problema é o que chamamos de modelo de atenção à saúde. Quando o SUS foi aprovado, entendemos que é dever disponibilizar um sistema de saúde, e não um de tratamento de doenças. 4 – E qual a diferença? O sistema de tratamento de doenças é inviável do ponto de vista financeiro e desumano do ponto de vista moral. As pessoas têm direito a cuidar da sua saúde, antes que apareça a doença. Mas, apesar de algumas experiências pontuais e importantes, nós ainda temos um sistema de tratamento de doenças. Isso acontece por causa do financiamento insuficiente e porque, mesmo quando existe dinheiro, os gestores fazem a coisa de forma errada. Ao invés de estruturar o sistema de prevenção, eles preferem construir mais hospitais, comprar serviços privados para atender a população. Essa lógica é muito perversa, e aí, aqueles que procuram o sistema para se prevenir, não conseguem. 5 – E a privatização do SUS? Aí entra o terceiro grande problema: a sensível privatização do sistema, que acontece através do sucateamento do que é público e da compra cada vez mais exacerbada de serviços privados. O que o Governo está fazendo em São Paulo é um descalabro, entregando hospitais públicos para empresas privadas administrarem, com recursos públicos e com absoluta autonomia. Isso sem qualquer fundamentação jurídica. Aliás, o Conselho Nacional de Saúde acabou de deliberar sobre o Governo do Distrito Federal, que fez coisa similar com o Hospital Santa Maria. Eles chamam isso de parceria público-privada, de modernização da gestão. Através da privatização você burla a legislação e estabelece uma relação que geralmente tem um custo muito maior para a população.
6 – Construir hospitais é a melhor estratégia para melhorar a saúde? Não. O que o Governo pode fazer é criar uma cultura de preservação da saúde. Nós poderíamos transformar a realidade do povo brasileiro se deflagrássemos um grande projeto de acompanhamento de hipertensão e diabete, diagnósticos e tratamentos precoces. Isso não é feito porque não há decisão política do Governo e também porque pensar nisso é mudar a cultura que acredita que saúde é hospital, médico e medicamento. E não é isso. Significa você reconhecer que é preciso ter nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos, que são tratados como menos importantes. Mas não existe tratamento de hipertensão sem um fisioterapeuta, sem um psicólogo.
7 – E os profissionais de saúde, como ficam nesse cenário do SUS? Hoje, salários baixos, para os médicos, são exceções. É claro que existem estados e prefeituras pagando salários miseráveis, mas hoje você não encontra médicos no interior ganhando menos de R$ 8 mil. Agora, quanto aos demais profissionais de saúde, aí a situação é mais grave. Eles não têm tido o reconhecimento que deveriam. A consequência é um profundo desestímulo, que se traduz na falta do compromisso.
8 – Fale sobre a importância dos Conselhos de Saúde? Não existe nenhum país no mundo com uma proposta de democracia participativa numa política pública de saúde, igual a do Brasil. Nada de relevante pode acontecer sem que o conselho de saúde influencie.
9 – Na prática é assim? É óbvio que é complicado em um País como o Brasil, com a cultura autoritária, privatizante, patrimonialista. Democracia você não consegue através de lei. Uma proposta fantástica como essa não avança porque, por um lado, tem essa cultura autoritária e, por outro, a sociedade civil não conseguiu entender que é um direito dela inter- ferir, participar.
10 – Qual é o investimento ideal para a saúde? Se a emenda constitucional 29 for regulamentada, teremos, no próximo ano, R$ 64 bilhões. Para por em prática as propostas de acabar com a dependência da rede privada e atender toda a demanda da população, precisamos de mais R$ 30 bilhões. | | |
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