REPORTAGENS: Sem classe




Por Daniel Santini
daniel.santini@folhauniversal.com.br


No Rio de Janeiro, em fevereiro, após meses de investigação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, duas quadrilhas formadas por jovens da zona sul foram desmontadas. Dezenas de frequentadores de academias, surfistas e moradores de prédios da área mais valorizada da cidade foram presos. A polícia encontrou relógios luxuosos, motos velozes e armas sofisticadas. Os criminosos tinham dinheiro, frequentavam restaurantes e danceterias caras e vinham de famílias ricas.

Além de desbaratar um esquema lucrativo de venda de drogas sintéticas, cocaína e armas, que incluía até viagens para a Europa, a ação colocou em destaque o envolvimento de jovens de classe média com o crime. A participação de garotos endinheirados em atividades como tráfico, roubo e sequestro é um fenômeno que não se restringe ao Rio de Janeiro e, de acordo com especialistas, tem se tornado cada vez mais comum.

Em São Paulo, Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa, a antiga Febem, relaciona o aumento recente no número de internos ao envolvimento com o crime de cada vez mais garotos de famílias com médio e alto poder aquisitivo. De 2008 para 2009, o número de adolescentes que respondem a medidas de restrição de liberdade na instituição saltou de 5.877 para 6.911. A explosão populacional, que agrava a superlotação em algumas unidades, preocupa. Desde 2005, quando 6.994 jovens foram internados, não há tanta gente na Fundação Casa. Segundo a última pesquisa sobre a origem dos jovens, realizada em 2006, 28% deles vinham de famílias sem dificuldades financeiras.

Não há estatísticas oficiais em âmbito nacional, mas não faltam relatos de casos em todo o Brasil. Em julho, em Santa Catarina, o filho de um empresário foi sequestrado pela quadrilha de um amigo que ele conhecia havia 4 anos. Foi capturado quando estava no apartamento do colega, que o havia convidado a ir jogar tênis em um hotel bacana da cidade. O cenário em nada lembra as favelas que costumam aparecer nas páginas policiais dos principais jornais do País.

“Quando acontece isso, a gente desmistifica a ideia de que o envolvimento com a criminalidade está ligado a condições de pobreza. Trata-se de uma imagem muito incompleta. Se fosse isso, a maioria dos jovens pobres estaria ligada à criminalidade e não é o que vemos”, afirma a cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (RJ), Silvia Ramos, uma das principais especialistas em segurança pública do País. “No Complexo da Maré, por exemplo, de cerca de 120 mil moradores, há uns 100 envolvidos na boca de fumo. O problema é que os poucos que se envolvem, fazem um estrago, matam, circulam armados e acabam produzindo esta imagem”, afirma.

A crença de que pobreza e criminalidade andam sempre juntas é falsa e preconceituosa. Os trabalhadores honestos são maioria nas comunidades pobres. A desonestidade não se restringe a guetos. Há muitos bandidos em apartamentos e casas confortáveis. Por isso que a construção de muros ao redor de favelas ou a criação de condomínios de luxo fechados, protegidos por grades e câmeras, está longe de ser solução para o problema de segurança pública.

Mais do que a pobreza, é a falta de empregos e oportunidades para os jovens o que mais influencia nas taxas de criminalidade. Ociosidade que afeta tanto os mais pobres quanto os mais ricos. E, nesse sentido, a situação no Brasil é preocupante.

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em setembro deste ano, 5,9% dos jovens de 18 e 19 anos e 5,2% dos de 20 a 24 anos, não trabalham, não estudam e não cuidam de afazeres domésticos. Em algumas regiões, a situação se agrava. No Espírito Santo, a taxa chega a 14,1% se considerados somente os homens de 18 e 19 anos. Na região metropolitana do Recife (PE), o número chega a 15,3% entre os rapazes de 20 a 24 anos. Ao todo no Brasil são mais de 1,2 milhão de jovens ociosos, segundo projeção feita pelo jornal “O Estado de S. Paulo” com base nos índices.

Além da ociosidade, porém, outros aspectos também devem ser considerados ao se analisar a criminalidade. Em setembro, ganhou destaque nos jornais baianos a prisão de um estudante de Medicina acusado de pedofilia.

Entrevistada pelo jornal “A Tarde”, de Salvador, a psiquiatra Solange Meiking afirmou que este tipo de prática pode estar associada a traumas de infância e destacou a importância da estrutura familiar na formação dos jovens. Os pais do suspeito são separados.

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