ENTREVISTA: Ricardo Tadeu da Fonseca - DERROTA DO PRECONCEITO






Em 1991, depois de deixar para trás cerca de 5 mil candidatos, Ricardo Tadeu da Fonseca, de 50 anos, tornou-se o primeiro procurador cego do Ministério Público do País. Quase 18 anos depois, Fonseca é agora o primeiro juiz portador de deficiência visual. Ele foi nomeado, no último dia 16, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região, em Curitiba (PR). Ele perdeu completamente a visão aos 23 anos e, além das dificuldades para conseguir o primeiro emprego, chegou a ser afastado do processo seletivo do TRT de São Paulo, com a “justificativa de que uma pessoa cega não poderia ser juiz”. Fonseca também é um dos responsáveis pela elaboração do texto da Convenção dos Direitos de Pessoas com Deficiência.

1 – Como avalia este momento da sua carreira profissional?
Depois de 18 anos de trabalho no Ministério Público do Paraná, decidi entrar nesta empreitada para realizar um sonho de atuar na magistratura. Era um desejo que se manifestava desde o início da minha carreira profissional. Foi uma honra estar entre os indicados pelo Tribunal Regional do Trabalho para que o presidente Lula escolhesse quem ocuparia o cargo. Essa indicação já foi uma aceitação da ideia dos próprios juízes do tribunal de que uma pessoa com deficiência visual pode exercer a magistratura. É um sinal de progresso entre as relações sociais no Brasil.

2 – Já havia tentado entrar para o Tribunal Regional do Trabalho?
Eu havia tentado entrar para o TRT de São Paulo em 1990. Infelizmente, não pude concluir o curso porque foi antecipado meu exame médico e fui afastado do concurso antes da conclusão dele com o argumento de que uma pessoa cega não poderia ser juiz. Há um precedente do Supremo
Tribunal Federal, de 1984, que diz que uma pessoa cega não pode ser juiz. Hoje, temos outra realidade constitucional e, mais recentemente, tivemos a ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi o primeiro tratado internacional que o Brasil incorporou com força de norma constitucional. Isso mudou as coisas.

3 – Quando perdeu a visão?
Tive baixa visão até os 23 anos por causa de uma paralisia cerebral que sofri quando nasci. Mas deixei de enxergar totalmente quando cursava o terceiro ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

4 – E como continuou a faculdade?
Os meus amigos da turma de 1984 gravavam as matérias em fitas cassetes e eu fazia as provas oralmente. Foram bons colegas. A minha formação como advogado foi produto da classe. Precisei de um tempo de adaptação, mas depois recuperei meu desempenho fazendo matérias suplementares. Acabei me formando 1 ano depois que o estimado, sempre com o apoio dos colegas.

5 – De que maneira se escolarizou?
Sempre estudei em escolas comuns, mas tinha métodos de apoio diferenciados. A professora, por exemplo, escrevia à mão e com letras maiores os textos datilografados. Fiz o vestibular com uma gravação em fita. Na primeira fase, alguém marcava as respostas para mim e, na segunda, eu mesmo escrevi as respostas. Sempre usei métodos especiais que deram certo.6 – Como foi a entrada no mercado de trabalho?
Foi bastante difícil. Eu já estava fazendo o primeiro curso de pós-graduação na USP, que depois emendei em um mestrado. Mesmo assim, as empresas não me contratavam quando descobriam que não enxergava. Meu primeiro emprego foi em um escritório de advocacia muito bom. Depois, passei a assessor de um juiz no tribunal de Campinas (SP) e, após um tempo, prestei o concurso para o Ministério Público do Trabalho (MPT). Nesse processo seletivo, fiquei na sexta posição entre cerca de 5 mil candidatos. Desde 1991, atuei no MP em São Paulo e em Curitiba.

7 – Como procurador, chegou a sofrer algum tipo de resistência por ser deficiente visual?
Pelo contrário. Eu fui muito bem recebido. O próprio edital do Ministério Público do Trabalho prevê o rito das provas para pessoas com deficiência visual. Em geral, o MP está muito aberto para esta questão.

8 – E como eram as audiências?
Já dirigi centenas de audiências e inquéritos com tranquilidade. Percebia a variação do tom da voz, os movimentos que a pessoa fazia, se ela estava nervosa. Nunca tive problema. É claro que sempre tinha uma pessoa ao meu lado para me ajudar, para ler os documentos e conferir informações.

9 – E o que vai precisar para exercer o trabalho de juiz no TRT?
Todos os desembargadores têm assessores e eu vou tê-los também. Vai haver um trabalho de digitalização de todos os processos aqui do tribunal. Então, vamos adotar os programas de leitura de tela do computador. O tribunal está completamente aberto e oferecendo toda a estrutura necessária.

10 – Como avalia a inclusão de deficientes no País?
Ajudei a delegação brasileira na redação do documento e no processo de ratificação da Convenção Internacional sobre Direitos de Pessoas com Deficiência, aprovado pela ONU. Nós estamos em uma fase inicial no que diz respeito à inclusão de deficientes na sociedade. Na América Latina, o Brasil é um país de vanguarda, mas, em relação ao primeiro mundo, temos muito que avançar na questão da acessibilidade de espaços físicos, da utilização da língua dos sinais nas universidades e em outros estabelecimentos. A sociedade brasileira está muito fechada para aqueles que possuem alguma deficiência intelectual também.

Por Fernando Gazzaneo
fernando.gazzaneo@folhauniversal.com.br


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